quarta-feira, 18 de junho de 2008

Prazer do livro além do conhecimento



BIBLIOFILIA - Ailson Guedes conta como começou sua paixão por livros

08/06/2008 - Tribuna do Norte

Ellen Rodrigues - Repórter

A bibliofilia é definida na língua portuguesa como a arte de colecionar livros. A inspiração para tornar-se um bibliófilo e o prazer que adquirir importantes obras literárias proporciona aos seus amantes, porém, não são fáceis de explicar. Que o diga Ailson Guedes, que há 32 anos dedica um tempo especial aos livros, em meio à correria da profissão e dos papéis que assume como pai e esposo. Aliás, hoje, aos mais de sete mil livros, sem falar nos demais tipos de publicações, como revistas, periódicos, discos e cd´s.
“O primeiro volume da coleção foi Águia de Haia, biografia do político brasileiro Rui Barbosa, e presente de um professor particular quando ingressei no Ginásio [hoje Ensino Médio]. Mais tarde, quando fui estudar medicina em Manaus-AM e, posteriormente, me aperfeiçoar no Rio de Janeiro, passei a freqüentar locais especializados, como bibliotecas, sebos e feiras literárias”. Longe da família, os livros se tornaram uma boa companhia.
Desde então, por volta de 1976, os primeiros exemplares vieram na bagagem de sua volta para Natal e consolidaram um espaço cada vez maior em sua vida: um dos quartos da residência, ele transformou em uma biblioteca particular. As estantes, com o passar dos anos, chegaram ao limite, mas Guedes admite que a cada mês, adquire em média, cinco novas obras. Algumas das prateleiras possuem filas duplas e até triplas, com os mais variados exemplares. “Tornei-me um bibliófilo, além das circunstâncias da profissão, por gosto próprio, mas por acaso. Não compro livros apenas para tê-los, busco as obras que me interessam”.
Mas não é a quantidade de livros que orgulham verdadeiramente o colecionador, mas a qualidade de seu acervo. “Tenho obras raríssimas, publicadas no século XIX e edições especiais, com poucos exemplares publicados. Um deles é ‘Le Chemin de Cosmos’ [O caminho do Cosmos], de 1961, que trata da biografia do herói russo Yuri Gagarin. Foi-me presenteado por amigos de uma rádio em Moscou de onde eu era correspondente”.
A bíblia sagrada escrita em holandês, também se destaca. “Pertencia à mãe de um amigo, que era católica. A obra foi levada escondida para o Canadá na ocasião da Segunda Guerra Mudial, quando os alemães invadiram a Holanda”. Após a morte da progenitora, ele o presenteou.
Outra aquisição que circula nas mãos de poucos é a edição especial do tricentenário de “Os Lusíadas”, de Luís de Camões, cujas letras na capa grossa são banhadas a ouro. Uma relíquia admirada e desejada por todo colecionador.

Valor de uma obra não tem preço

Estas e outras raras obras terem sido presenteadas ao colecionador é mera coincidência, porque a maior parte da biblioteca foi montada a partir de um investimento próprio. Para o médico e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o valor de uma obra está no conhecimento, na história e na raridade que ela representa, mas reconhece que “a paixão pelos livros exige investimentos de tempo e, obviamente, de dinheiro”. O bibliófilo não gosta de citar valores, mas admite que uma obra pode ser dispendiosa. Quanto mais raro, mais caro e mais difícil de encontrar. “Alguns não são mais publicados. Mas o valor de um livro para mim, é de permitir um conhecimento exponencial, não tem preço monetário”.
Com gostos literários bem definidos, não é difícil saber os temas que prendem a atenção do colecionador. Na verdade, eles estão bem classificados nas prateleiras: Medicina, História Geral, Geografia, Política, Biografias e Religião. “Os livros de minha área, claro, estou sempre adquirindo e me atualizando. Mas também gosto muito de história antiga, e particularmente acho o povo grego interessante”. De família católica, Guedes possui em acervo com mais de 68 bíblias em diversos idiomas, entre latim, chinês e japonês. E como apreciador das crenças, tem pelo menos um exemplar de cada religião existente no mundo, entre eles, o Torá dos judeus, Alcorão em árabe, comprada em Istambul, e uma edição especial com ilustrações de pintores indianos, sobre a Krishna.
A ficção também ganhou um espaço privilegiado, com exemplares de todas as obras escritas por Shakespeare, Machado de Assis e Balzac, entre outros. “Não sou fã de ficção, mas gosto de romances”. No campo das biografias o acervo também é de causar inveja aos apreciadores das grandes personalidades mundiais, de Ayrton Senna, Hitler, presidentes americanos, Jesus e Maomé até Fidel Castro, cujo exemplar, ele acredita, deverá aumentar de cifra após a morte do ex-líder cubano.

Biblioteca à moda inglesa

Todas as obras da biblioteca particular se encaixam de forma perfeita em suas prateleiras, como se tivessem sido fabricadas especialmente para elas. “As estantes foram projetadas com base na arquitetura inglesa, [com portas de vidro], e especialmente para acolher as obras de diferentes tamanhos. Diariamente abro as estantes para arejar o ambiente”. Os livros mais antigos, ele explica que precisam de cuidados redobrados, para não tornarem-se alvo de cupins e traças. “Antes se usava muita química na fabricação dos livros, e por isso eles tendem a se deteriorar mais rápido dos que os publicados mais recentemente. Nesse ponto, a tecnologia trouxe benefícios e, a internet é, inclusive, um meio por onde pesquiso novas aquisições, mas não sou atraído pelas leituras virtuais. Acredito que os livros sempre irão existir”.
O médico viaja pelo menos uma vez ao ano para a América do Norte ou Europa, e aproveitas essas ocasiões para incrementar ainda mais a coleção. “Sempre pago excesso de peso, mas não tem problema, reservo uma mala só para trazer os livros. Na Bienal de São Paulo, em 2006, trouxe trinta. Em minhas viagens, visito os lugares onde sei que posso encontrar a obra que desejo”. Ele explica que o mais importante de poder pesquisar e comprar livros no exterior, além da possibilidade de encontrar edições que não são vendidas no Brasil, é conhecer exemplares que mostram a cultura dos lugares por onde passou. “Tenho uma seção com exemplares de cidades por onde estive, vários dos Estados Unidos, como Los Angeles, Washington e Nova York. Por elas conheço a verdadeira cultura destes locais”.
Quando as livrarias não oferecem o livro desejado, ele recorre aos sebos. “Tenho relação de todos os sebos do país. E nas cidades maiores, como Rio de Janeiro e São Paulo, a diversidade, obviamente, é maior”. Quando esteve em Lisboa, em fevereiro, ele pôde encontrar em um sebo um livro que procurava há algum tempo, Ensaios de Michel Montaigne.

Paixão além das terras tupiniquins

Como não poderia deixar de ser, o universo das bibliotecas fascinam o colecionador, que recorda de algumas das mais interessantes onde já esteve. “Visitei a biblioteca do Congresso Americano, que possui o maior acervo do mundo, e recentemente, quando fui a Portugal, pude conhecer a biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian, que sempre tive vontade de ir. Calouste era um armênio rico, também bibliófilo, que antes de morrer instalou seu acervo em Lisboa”. Do país, vieram para o Brasil, nada menos que 33 livros. Admirador da literatura de qualidade, o bibliófilo acredita que elaborar um livro não é fácil. “Publiquei dois livros de medicina, mas trabalho há dez anos em uma nova publicação”.
O empenho aos livros trouxe também outra aquisição: o conhecimento sobre diversos assuntos. “Conhecer história não é saber a roupa que o rei usou ou a data em que ele nasceu, mas o que ele significa para aquele país. Aprender é um processo inacabado, e estou sempre adquirindo novos conhecimentos pelos livros. O ser humano é cheio de virtudes e pecados, e pela leitura também aprendi a ser mais tolerante com o próximo, mais compreensivo. É por isso que gosto de ler biografias”. Uma parte da livraria privada é especializada em livros sobre origens de diversos artigos. “Tenho a origem do vinho, do charuto e outros”.
O colecionador não se diz ciumento com suas obras, mas reserva o empréstimo somente os amigos e familiares mais próximos e cuidadosos. Dessa forma, enquanto houver espaço no coração, e possibilidades reais de incrementar a gama de obras, prateleiras lotadas não vão representar um empecilho para o colecionador. “Alguns já ocupam algumas estantes na sala e no quarto, e não penso em parar, o conhecimento é inacabado, sempre se adquire mais. Quero deixar este acervo para meus netos”.
Ailson consegue ler e falar bem quatro idiomas além do nativo: espanhol, inglês, italiano e francês, o que amplia suas possibilidades de leitura.

Rio Grande - Noiva do Mar

Furg - Universidade Federal de Rio Grande